Esta é a sua história...
Nas milenares
terras de Wen-há, os clãs youkais dos Cães, Lobos e Raposas guerreiam ha eras
com os Gatos e Tigres. Mesmo nos tempos de hoje, intrigas internas nessas duas
facções são deixadas de lado sob a menor suspeita da facção inimiga ter
qualquer atividade próxima. Não é uma batalha do bem contra o Mal. Malfeitos
surgem em ambos os lados das fronteiras, e conceitos tidos como
"bons" também.
As Raposas Brancas
costumam estar alheio às guerras. Enquanto os demais grupos são honrados
membros de bandos, as Raposas são individualistas e solitárias. Mas ainda
assim, haviam escolhido um lado. Um lado contra os Felinos.
Daimio Kuroro Daiki
era um senhor de tradições e severo, mas não intransigente. A jovem e bela
raposa branca chamada Yoko o convenceu de suas habilidades e prendas para ser a
tutora de sua filha Chansinin, agora que a esposa do senhor feudal tinha
falecido e seu filho havia deixado suas terras. Yoko conseguiu conquistar seu
lugar nas terras de Daiki, sendo um meio-termo entre as tradições milenares de
uma dama que o pai de Asuka-Chan queria que ela fosse e a curiosidade latente
da filha do Daimio sobre o mundo que seu irmão partiu para conhecer.
Até um fatídico dia
que ela fez um inimigo para a vida inteira.
Era uma viagem de
compras à cidade de Akiobara. Yoko simplesmente acompanhava Asuka-chan com os
mais jovens membros da guarda do daimio, dentre os quais Nagata, um prospecto
que treinou com o filho banido do senhor.
A Raposa gostou de um
cheiro doce de perfumes que tomavam as ruas. Seguiu seu faro até uma pequena
mas elegante loja herborista, que cuidava mais de um gato gordo e laranja sob o
balcão do que prestando atenção nos clientes. Yoko tentou chamar a atenção da
senhora no balcão, com sucesso limitado... Mas quando o sonolento gato fixou
seu olhar na raposa, tudo mudou.
O animal saltou
assombrado de costas. Nisso, ele cresceu ao tamanho quase de um homem, com quimono
púrpuro e cara redonda e bonachona, mas com expressão de horror em seu olhar.
"Vocês me acharam!" - berrou ele. - "Não vão me pegar com
vida!" - praguejou de novo.
Yoko sabia da guerra
entre as raças, mas não era uma guerreira. Nem mais era um espírito selvagem.
Baixou a cabeça, fugindo dos objetos que o gato enlouquecido atirava nela e só
saiu incólume porque Nagata e seus companheiros correram para intervir. Mas o
ágil e esperto gato escapou dos samurais.
Após a comoção, o
grupo descobriu que muitos anos atrás a viúva que tinha uma pequena banca de
ervas medicinais adotou um gato de rua - que agora sabiam que era mais que
isso. Ao longo dos anos, o gato secretamente aprendeu o ofício da viúva e
superou sua mestra. Mas para manter sua segurança e disfarce, mantinha-a
ligeiramente dopada e atendendo aos clientes, enquanto na verdade ele era quem
produzia os produtos de alta qualidade. A velha só acordava cansada no fim do dia, via as encomendas prontas ou em produção, deduzia que sua
memória estava ficando cansada e ia dormir ou cuidar do bichano.
O povo resistia a
Youkais em sua cidade - mesmo Yoko só era tolerada pela imposição do Daimio. E
embora secreta, a relação do Gato a quem a senhora chamou de Katemaru e a
herborista foi mutuamente benéfica. O Gato tinha proteção e material para
treinar sua arte, e a velha tinha um negociante e artífice mais talentoso que
ela jamais seria.
Mas Katemaru não
acreditou que foi apenas uma infeliz coincidência que levou "a
inimiga" a seu lar e destruiu seu disfarce. Decidiu que iria se vingar.
Seu primeiro truque
foi uma comichão geral que afetou todos no castelo do Daimio, curiosamente após
uma correspondência "informativa" sobre alergias a pelo de raposa ter
chegado. Quando o Daimio e Chanzinin - que comiam de panelas diversas do resto
do castelo - foram os únicos imunes às alergias, descobriu-se que era o gato
maldito com suas ervas. Ele foi caçado pela guarda, mas escapou.
Outro dia, Nagata
encontrou a raposa presa numa gosma estranha e com a boca amordaçada. E o gato
no fundo do quarto, prestes a misturar substâncias estranhas. O samurai deu-lhe
uma carreira.
Com os constantes
trotes e planos do gato para incriminar a raposa ou incomodar todo o castelo, o
Daimio pensou em banir Yoko para se livrar do incômodo, mas o samurai Nagata
mostrou que ceder ao gato era uma vergonha ao daimato.
Armadilhas para gatos
foram espalhadas por todas as terras de Daiki uma noite... Na manhã seguinte,
em cada uma delas tinha um gato de rua trazido pelo youkai para abrir seu
caminho. Yoko só entrava em seus aposentos se Chanzinin ou Nagata vasculhasse o
interior antes, e algumas vezes encontraram armadilhas ou o próprio Katemaru lá
dentro.
A perseverança do
gato era impressionante. Mas uma vez ele extrapolou.
Asuka-chan já não
morava mais em Daiki. Havia ido estudar no distante reino de Jus. O Daimio decidiu
tornar o confiável Nagata seu Daisamurai e investiu em um mestre e em uma arma
adequada. O Mestre Butorai da lâmina invisível trazia consigo uma caixa, na
qual estava a arma que definiria Nagata... A sua própria Lâmina Invisível.
Ao abrir a caixa para
demonstrá-la ao Daimio, ele perguntou se a bainha e cabo também era invisível.
Tateando, o mestre percebeu que a espada havia sido roubada, e debaixo da
almofada, encontrou pelos brancos de raposa.
Os olhos do mestre
correram imediatamente para Yoko, mas todos no castelo já anteviram o que havia
acontecido. Enfim, Butorai reconheceu ao analisar os pelos que eles haviam sido
cortados por uma lâmina, não simplesmente se desprenderam da raposa.
Por anos, o gato
evitou os samurais de Daiki e as pífias tentativas de revide de Yoko, que sem
ter que tutorear a filha do Daimio passou a estudar sua magia ancestral para se
defender. Mas a ofensa a Butorai foi um erro. O mestre esgrimista era mais
obstinado que os "aliados da inimiga". E muito mais implacável. No
fim da tarde, o mestre trouxe de volta a espada roubada e o cadáver do gato
chato.
Mesmo tristes com o
violento fim, um grande alívio correu nos corredores daquele castelo. Mas não
durou.
O inquieto espírito
de Katemaru regressou pouco depois de Butorai e Nagata terem deixado o palácio
para o treinamento. Como um espírito, pouco dos limites que ele tinha
permaneceram. O Daimio, transbordando de fúria, contratou os maiores exorcistas
das terras do Nordeste do reino e enfim capturou o fantasma e prendeu-o em uma joia
- para evitar que ele reencarnasse séculos depois e voltasse a atacar Yoko em
outra vida, coisa que estavam certos que Katemaru faria.
E assim permaneceu
por muitos anos. A paz voltou a Daiki, ao menos por parte dos problemas do
gato.
Daiki e seu secto
deixaram Wen-ha e foram ao Império Áureo confrontar o Filho do Daimio no evento
posteriormente chamado de “Cruzada da Luz”, batalha para a qual Nagata treinou
a vida inteira. Mas nesta viagem, os antagonistas se viram todos presos por uma
força maior, e se viram obrigados a se unirem contra a Bruxa da Vingança.
Buscando reunir armas contra a inimiga, os novos aliados inadvertidamente
libertaram o fantasma de Katemaru, que partiu imediatamente para sua vingança
pessoal.
A visão do gato gordo
espectral trouxe de volta emoções reprimidas de medo e vergonha em Yoko,
lembranças que ela julgava terem acabado, e a infeliz raposa branca buscou
proteção de seus aliados... Um deles, um Felítrius - raça de homens-gato do
mundo exterior. Aquilo provocou um ataque de gargalhadas em Katemaru.
Aparentemente, ver
sua inimiga se abrigando com um "gato" era uma humilhação digna das
que ele por tantos anos, além da vida e da morte, tentou impor à raposa
orgulhosa. Não só o gato se deu por satisfeito em sua vingança como mais à
frente ele foi essencial para a sobrevivência do Daimio e Nagata de um dos
ataques da bruxa.
Com o fim da ameaça
maior e do objetivo que prendia Katemaru no mundo dos vivos, toda aquela
experiência pode ser repensada pelo Gato e pela Raposa. A desproporcionalidade
da reação de um lado, e o orgulho de jamais ter se sentido mal por ter arruinado
a vida do gato. Carmicamente falando, os inimigos fizeram as pazes e se
compreenderam. Uma paz inédita na história das duas facções. Uma paz digna de
um último prêmio dos deuses wenhajins.
Yoko e Nagata
romperam com as convenções e assumiram um romance que sentiam e reprimiam a
anos. Em um ano, a Raposa estava para ter filhos gêmeos meio-youkais do
daisamurai. Mas no dia do nascimento das crianças, alguém bateu à porta.
Ninguém viu quem era, só que deixaram na sacada uma cesta de vime, com um
terceiro bebê nela. Um bebe youkai-gato.
O novo Katemaru
cresceu como filho do casal, irmão dos meio-youkais Kami e Kamlyn. Era o mais inteligente
e temperado do bando, embora relutantemente sempre entrando na travessura das
crianças. Era uma inusitada família, com um igualmente inusitado destino.
Nenhum comentário:
Postar um comentário