Mesa
de Jogos
Tholen
e Hellen refizeram o grupo, como pretendiam. Maior do que imaginavam,
uma vez que além de Nobunaga, dezenove soldados da Guarda Vermelha
acompanhariam o Hatamoto enquanto estivessem em terras estrangeiras.
O anão do Forte das Armas não estava muito contente com aquilo.
Fora Nobunaga, havia grande grau de – em suas palavras –
incapacidade de manter-se vivo em briga de macho por parte dos
vermelhinhos todos. Mesmo o tenente Akashi.
Alias...
Tholen só tinha a “fama” do samurai e o fato de reconhecer que
ele era veloz e rápido. Não chegou a assistir uma luta sua...
Sequer ver o “daichô dos Quatro Ventos”, suas armas-assinatura.
Gen
Nobunaga era um samurai perfeito. Em sua fachada, tratava aquela
missão autoimposta como um encargo. Algo que o destino, coisa
importante para os wenhajins espiritualizados, tinha colocado em seu
caminho. Mas em seu ânimo, sua alma de guerreiro e sua ambição de
espadachim fervilhavam. Chegara bem cedo ao topo da hierarquia dos
homens de armas. Acreditava que somente os servos pessoais dos
shoguns e os seus iguais hatamotos poderiam sequer fazer frente a ele
em armas. Mas os primeiros eram intocáveis, invioláveis, por seu
status.
Os
segundos... Salvaram sua esposa e filho. Jamais poderia tornar a
erguer lâminas contra o menor deles.
Midori
era o extremo nesses sentidos. Refém político, ainda esperava que
uma vez alertados de sua situação, seu pai e seus compatriotas
tomassem uma atitude. Mas deixaram a capital insular da Doravânia
rápido demais. No continente, não havia preparativos para rastrear
Nobunaga. E a rota por terra daria considerável dianteira aos
viajantes... Se é que seu pai fosse descumprir os termos da trégua
honrada de Nobunaga.
-
O senhor vai adorar Tréville, Nobunaga-sama. - falava Hellen,
animada, forçando cada vez mais as barreiras de status, testando e
moldando as formalidades do Hatamoto. - Eles têm muito em comum com
os Wenhajins. A população inteira é voltada para a arte da
lâmina...
-
População inteira?!? - exclama surpreso. - A espada é um
privilégio em minhas terras. Como o país inteiro não se esquarteja
em guerras civis?
-
Porque os Trevilenses são frouxos como um povo. - resmunga Tholen.
A
feiticeira sorri.
-
Tholen... Indique um povo, fora seus queridos compatrícios, que não
seriam... “Frouxos como um todo”.
O
anão se cala um segundo, olhando pensativo.
-
Dol'oam não é vassala da coroa de Lyon, os austeros cavaleiros do
oeste?
-
São sim... - rosna Tholen. - E daí?
Hellen
volta-se a Nobunaga.
-
Não baseie suas impressões nas opiniões de Tholen, meu senhor. -
fala ela. - Grandes heróis de Meliny são nativos de Tréville.
Saint Paul DeLuca... Mosseur Bleur... Cap. Hardman...
-
As grandes cidades de Tréville estão fora de nosso itinerário. -
observa Nobunaga. - Contornar o monte Janar foi uma garantia de
rumamos para o oeste do lado certo do rio sem depender de travessias.
Não creio que encontraremos grandes nomes da espada no norte.
-
Mesmo se for uma fração menor... Não seria uma nova visão? Uma
arte não-familiar?
O
hatamoto sorri. A possibilidade o animava.
-
Anão! - eleva a voz o wenhajin. - Uma boa resposta à pergunta que
lhe fizeram: kara dansei Wen-ha.
-
Ah, não pergunte o que não quer ouvir, ô do vestidinho verde... -
resmunga Tholen. - Eu ainda estou pensando!
(…)
Era
o fim do primeiro dia de viagem. O grupo seguia uma trilha na
montanha que os forçavam a seguir em linha. Carroças de mantimentos
eram guiadas por mulas robustas adquiridas ainda em Habênia. A maior
parte dos suprimentos eram sacas de arroz, cogumelos e vegetais
desidratados. No percurso, Tholen soube que “o glorioso” samurai
não comia carne e por isso não traziam nos mantimentos. E protestou
muito...
Já passava da hora de conseguirem um abrigo, mas a estrada estreita
não era o ideal para erguer um acampamento. Seguiam em busca de uma
reintrância ou de cavernas, mas aquele trecho antigo era pouco
utilizado. Com as Doravânias em guerra, os destinos finais eram
arriscados, assim, o comércio buscou as rotas marítimas, alcançando
Habênia. Era verão, então a luz do dia perdurava um pouco mais.
Mas o frio daquelas altitudes começava a se fazer sentir. Tholen
quem primeiro percebeu, primeiro uma trilha desgastada, na rocha,
subindo a montanha. Depois um longo platô, de rocha branca com
bordas arredondadas. Protuberâncias solitárias e quase cilíndricas
eram percebidas nos dois extremos da formação.
(...)
-
Que mesa estranha... - observa o anão.
-
“Mesa”? Estranha Hellen.
-
É como nosso povo chama essa formação. - adianta o anão. O
Flagelo não era versado no trato social, mas seu povo era
consideravelmente culto ao se tratar de aço e rocha, desde avaliação
e trabalho nestes materiais a identificar as formações rochosas. -
Pequeno para um platô, grande demais para uma rocha solta. Era uma
bela peça em sua formação... As chuvas e os ventos lavaram bem,
bordas desta rocha...
-
É isso que acha … “Estranho”? - pergunta Nobunaga. Não estava
interessado, mas sentia-se obrigado a saber de todas as possíveis
peculiaridades da viagem, e identificar pontos de referência.
-
Bem, é estranho porque isso aí não é uma formação natural!
Hellen
olha de um extremo ao outro.
- Parece natural para mim. É a mesma rocha do resto da montanha onde não está sedimentado... Mesmo período de tempo...
-
Para olhos bem treinados, não. - fala Tholen, destacando-se do
grupo. - A erosão indica que tem mais de milênio largado aí,
exposto ao tempo... Ficando igual à rocha nua natural. Mas vai por
mim... Essa mesa não foi feita por Falena ou Gorak!
-
De qualquer forma... - fala Nobunaga. - É o melhor ponto de
acampamento que vemos em horas. Vamos para lá.
(…)
A
teoria de Tholen mostrou-se correta ao subir na formação. Quanto
mais longe da borda, mais fácil eram reparar sulcos regulares
horizontais e verticais formando quadrados de 1,5 metros de raio,
impossíveis de terem sido naturais. Os mais grossos demarcavam o
meio da mesa no sentido maior. Ela revelou-se ter 63x42 metros. Os
cilindros – dois ao todo, em cantos de extremos diagonalmente
opostos – elevavam-se a 3 metros e tinham diâmetro de 3 metros.
Era possível ficar de pé e mover-se regularmente por eles, mas
precisava escalar em sulcos desgastados pelo tempo. Um fosso
circundava parcialmente a formação retangular, parandodo lado da
encosta da montanha, por onde pareceria um platô.
-
Eu já vi algo assim antes... - observa o Hatamoto. - Na cidade de
Shora. É uma arena de magos de batalha. Mas em Shora, é menos
largo, mais longínquo. As “torres de artilharia” são mais
altas, e há um fosso com água no centro, com uma ponte ligando os
dois campos. E costumam usar magia para tornar parte dos dois campos
armadilhas de terreno.
-
Este deve ser mais rústico então. - fala Hellen. - Opiniões,
Tholen?
-
Esta bagaça foi restaurada pelo menos uma vez antes de ser
abandonada... - fala o anão. - Sabe... Leva perto de mil anos para
desgastar rocha tão regular como essa... Então, não só 'sa porra
é quase tão velha quanto a montanha como foi bem usada no intervalo
de sua criação e seu abandono perto de mil anos atrás. Quanto
tempo tem seu reino, hein, Wenjaca?
-
A gloriosa terra das Cerejeiras tem mais de três mil anos de
história. - resmunga revoltado Akashi. - Nossa era atual encontra-se
no ano 977. Contada de quando os Deuses nos separaram do maligno e
belicoso continente! Mas já éramos um reino de honra antes, e
sempre fomos uma província respeitosa ao Grande Stygh quando parte
do império dracocrata!
-
Se não me engano... - recorda Hellen. - Os Shorians são uma família
antiga, dessa época, não é?
-
Exato. - concorda o Hatamoto. - Mais antigos que muitos dos
shogunatos inclusive.
-
E se essa “Arena de duelos” foi uma evolução de um jogo dos
dragões? Podemos estar em cima da arena original. Dragões de
outrora teriam poder mais do que suficiente para moldar algo como
isso.
-
Você nunca viu um dragão, né, garota? - brinca o anão. - Isto não
foi feito para eles... Mas para humanóides. Aqueles lagartos sádicos
deveriam sentar nesses fossos, deixar os escravos se digladiarem, ou
então ficariam cuspindo fogo e raio nos desgraçados.
-
O que importa... É que não tem lagartos por aqui. - fala Nobunaga,
inibindo sua coriosidade arqueológica. - Vamos acampar e com mais
luz do dia, investigamos ou partimos.
(…)
-
O que é isto?!?
Midori
nem imaginou como Hellen aproximou-se dele sem ser percebida, mas mal
ouviu, sentiu as tarjas serem tiradas de sua mão.
-
Ei! - protestou. - D-devolva!
Esquecendo
sua condição de prisioneiro, salta da carroça de suprimentos que
servia como “cela” no encalço da saltitante feiticeira. Os
soldados ao seu redor só o viram quando já estava longe. Midori
preservava as amarras, e Hellen, mais alta, esticava o braço
deixando as anotações além do alcance do jovem.
-
Soldados! - urra Akashi, interpretando um ataque do prisioneiro. Três
da Guarda Vermelha projetam-se na direção do shinobi, que se dá
por rendido. Hellen afasta-se e trata de folear as quatro tarjas em
papel de seda.
-
O que foi agora? - protesta Tholen, levantando-se tão rápido como
seu desajeitado corpo permitia. Era o único, fora os guardas do
turno de vigília, ainda de armadura. Costumava a dormir com a
proteção.
-
O prisioneiro pegou papéis explosivos enquanto os carcereiros
estavam dormindo em serviço! - repreendia Akashi, com o olhar
acusador levando vergonha aos que deveriam vigiar Midori.
-
Minhas r-runas pre-precisam de mama-mais que ca-carvão e seda... -
fala desafiador o jovem. - Isso aí é pe-pessoal!
-
Creio que ele tem razão... - responde a feiticeira. - Tholen, este
aqui é seu... Este é meu... E olha, Nobunaga-sama! Ele fez um para
você também!
Tholen
toma “o seu”. Nobunaga estava ignorando a comoção até Hellen
acenar com um dos papéis, e passou a caminhar na direção do grupo.
-
Okey... Desenho de uma casinha num pentágono... - olha de
sobressalto o anão. - E letrinhas de Wenha.
-
No canto direito, é o seu nome... Bem, fonemas. - ensina Hellen. - E
nas arestas do “pentágono”, está escrito... - ela força a
memória, procurando termos para traduzir. - Sagacidade, Chi,
estamina, Ninj... Ninja, combate …
-
Ninjutsu. Taijutsu. -Enumera Midori. - Chi. Estamina. Sagacidade.
-
O desenho é um gráfico matemático. Ele está enumerando nossos
talentos. - observa Hellen torcendo o nariz. - Olha só quanto Chi
ele me deu... Mas eu creio que sou mais Sagaz que isso aqui...
Nobunaga
toma a sua e analisa por alto. Depois, dá uma olhada na de Tholen
-
Você diz que o anão é melhor do que eu?!? - fala ofendido.
-
s-s-Só em Estamina. - defende Midori. - você o su-supera em
Ninjutsu... A-a-aagililidade e furtivi-vi-dade. E t-também em
Ta-Taijutsu, a arte do cococo-combate.
-
Ei! - protesta Tholen. - Tá certo que eu não sou gracioso... Mas eu
parto ao meio qualquer um aqui se precisar.
-
Não comece algo que não possa terminar, anão... - fala Nobunaga
com descaso.
-
Certo, senhores da testosterona... - Hellen interrompe e toma os
papéis. Sabia para onde a conversa iria se Tholen tomasse para o
pessoal a alfinetada de Nobunaga. - Parece que nosso pequeno espião
está tendo sucesso em jogar com nossa vaidade. E este papel aqui sem
nome? É do Akashi?
Midori
não responde.
-
Está claro que ele pretendia informar algum grupo de resgate contra
o que estariam lidando... - fala Tholen, tomando os papéis de Hellen
para si.
-
Duvido. - fala Nobunaga. - Ainda estou certo que ele honrará sua
palavra. A fuga seria a destruição de sua aldeia.
-
Neste caso... - observa Hellen. - Por que as amarras então? Está
óbvio que ele circula por nossas coisas independente delas.
Nobunaga
encara o shinobi e depois Akashi. Ponderava as palavras.
-
Ela tem razão. - decide enfim. - Quero dois guardas com o garoto o
tempo inteiro. Mas tire as cordas.
-
T-tem certeza que n-n-não poposso fificar com elas?
Midori
mostra as mãos desamarradas. As cordas enroladas em um laço para
resguardo. Akashi roça os dentes.
-
Três guardas, é melhor. - corrige Nobunaga, deixando o local, e
entregando sua “ficha” a Tholen. - Deixem-no ir à fogueira.
Akashi
indicava os que ficariam. Hellen e Tholen percebem-se sozinhos com o
jovem.
-
Eu vi que haviam muitas rasuras na minha ficha... - fala a feiticeira
com um sorriso. - Sou tão difícil de ler assim?
-
É... É que n-n-nem sei que ti-tipo de Youkai é vo-vo-você...
A
resposta do gago deixou a dupla desguarnecida. Quando Hellen enfim
capturou Midori no Saveiro, Nobunaga e seus servos assumiram que a
manifestação das asas era uma mera transmutação arcana. Mas
Midori não só esteve mais tempo e mais perto de Hellen como era um
shinobi versado em ilusões. Ele poderia não saber onde estava se
enveredando, mas não se iludia tão facilmente.
-
Entendo o que diz... - ela fala enfim. E remove uma tiara de seus
cabelos. Quando destaca-se deles, a tiara vira uma “quipá”. -
Conhece isto? É um Chapéu dos Disfarces. Não sou muito boa em
ilusões, e mesmo se fosse, com um destes, posso fazer sutis
alterações e até mesmo me disfarçar.
-
E-eu conheço o e-e-encantamento “hengê”. - fala Midori. - E
d-d-daí?
Hellen
sorri. Depois joga o disfarce para Tholen.
-
Se esta não fosse minha forma, se fosse uma ilusão, eu deveria
retornar sem ele, não é?
-
F-f-faz sentido... - Midori não era ingênuo, mas estava tratando de
outro nível. Não só Hellen era convincente com as palavras como
uma propensão sobrenatural minava a pouca resistência que seu alvo
poderia erguer a seus argumentos.
-
Sinta... - completa ela. - Esta é a minha mão... E esta é minha
pele... - A feiticeira segura a mão do jovem shinobi. Sente-a fria e
suada, em contraste com sua mão quente e pulsante. E lentamente
aproxima-a de seu rosto, sem tirar o contato visual. A alva face
wenhajin ganhava tonalidades róseas e vermelhas de embaraço. Mas
enfim, ele é salvo pelo anão.
-
Mocinha, venha cá... - fala o anão abruptamente, pegando Hellen
pelo ombro e arrastando-a para longe de Midori. - Questão de Ordem.
(…)
A
linha do centro foi escolhida como local para a fogueira. A vegetação
nos arredores não era propícia a lenha, sendo apenas algumas
plantas rasteiras e arbustos secos. Peças sobressalentes de uma da
carroça forneceu o lenho necessário. Nobunaga encontrava-se em
posição de Lotus diante da fogueira. Akashi usava um braseiro para
colher carvão da fogueira. A maioria da guarda vermelha preparava-se
para dormir nos arredores da fonte de luz, deixando seis de guarda
nas bordas da Mesa, e mais três alimentando e vigiando Midori.
Mal
eles percebiam movimentações no fosso e na encosta. Uma emboscada
particularmente traiçoeira estava sendo orquestrada.
(…)
-
O que foi aquilo?
-
O que você acha? - protesta Hellen, esfregando o ombro que Tholen
agarrou rudemente para afastá-la do resto do grupo. Estavam junto de
uma das pedras cilíndricas, a que aproximava-se do penhasco.
Avistavam um sentinela armado com arco longo, e por isso controlavam
a voz.
-
Estava hipnotizando o garoto? - interroga o anão.
-
Não. Estava convencendo que eu não sou uma impostora.
-
Ou seja... Estava Mentindo!
-
O que quer dizer? Midori é mais esperto que Nobunaga e os seus
homens. Ele já estava desconfiado!
-
E daí?
-
Tholen... - olha assustada a feiticeira. - Você … Quer que eu seja
desmascarada?!?
-
Claro que quero! - resmunga o anão. - Entendo que precisa ganhar
confiança antes de se mostrar... Foi assim comigo, com Gunther e
Nindrille... Mas se tirar a ideia do garoto e depois ele vier a
descobrir... Você nunca mais terá a confiança dele!
-
Está confiando que ele não vai fugir, morrer, ou nos entregar aos
seus superiores, Tholen. - fala com um peso de malícia e crueldade
em sua voz a feiticeira.
-
Bem, ele não quer isso. - rosna o anão. - ele está vivendo um
sonho aqui fora, conosco!
-
Como é que você sabe?
Tholen
tira as tarjas de dados que confiscou do jovem. Ergue uma que não
tinha nome.
-
Esta aqui... Tem as informações DELE! - fala o anão. - E fez em
papel de seda porque ele fica translúcido contra a luz.
Rudemente,
ele estende as tarjas à moça. Hellen recebe-os. Percebe alinhados
como cartas de baralho. Estimulada pelo anão, ela analisa as quatro
peças contra a luz da fogueira no centro da Mesa.
As
sombras do carvão dessas tarjas atravessam a seda. E as arestas dos
dados dos quatro constantes deles formam uma figura geométrica quase
perfeita.
(…)
-
Sé-sério que n-n-não tem carne? - protesta Midori.
-
Carne é impura e indigna do Glorioso. - responde um dos guardas, de
nome Dai Ni. - A Guarda Vermelha segue sua dieta.
-
O Hahatamoto não está s-s-sempre com vo-vo-vocês... - observa
Midori. - E-e-então vo-vocês po-po-podem co-comer c-c-carne
qu-quando n-n-não p-prestando a-a-armas a Nobunaga-sama?
-
Não importa. - retruca ele.
-
S-se não p-por mim, p-pense nos g-gaijins. - insiste Midori. - Eu
v-v-vi um la-la-lagarto no c-cilindro... la-lagartos não s-são
saborosos, mas é me-me-melhor que a-aroz e cocogumelo seco.
Midori
aponta com o rosto um dos extremos, a pedra quase rente ao vão da
Mesa. Dai Ni aguça o olhar e percebe o rabo da criatura e seu volume
escondendo-se. Deveria ser um animal selvagem. Talvez trinta
centímetros de corpo e o dobro disso com a cauda. Se não servisse
como alimento, ao menos deveria ser afastado como praga.
O
guarda pega um Boken – espada de madeira envernizada - e avisa aos
colegas para ficarem com o prisioneiro. Ele aproxima-se pela
extremidade oposta à da sua presa. Estava sem armadura e era
disciplinado. Esgueirava-se com competência na direção da caça
Despretensiosamente,
Midori projeta sua “jóia do espírito” da testa na direção do
caçador. Ia por um flanco tido por protegido. Ele só o alcança
pouco antes do guarda, já avistando a silhueta do alvo, fazer mira
com o Boken. Midori queria vislumbrar o ataque... Mas o que ele vê o
choca...
-
N-n- … - a gagueira trava seu alerta. - VOLTE! - urra enfim Midori.
Simultaneamente,
Dai Ni golpeia o lagarto que mirava. Era azul, e seu golpe o
surpreendeu. Ele tem a coluna partida e cai morto no piso de pedra.
Os
doze que o seguiam, todos maiores que o primeiro, não aceitam o ato
com passividade.
As
criaturas saltam contra o guarda. Abocanham com fúria seu agressor.
Mas seguindo o ataque, alguns dos que permaneceram sopram relâmpagos,
completando o ataque. E com essa, começa uma infestação de
lagartos relâmpagos por toda a Mesa.
(…)
Nobunaga
é desperto de sua meditação com o alerta. Tholen e Hellen percebem
o mar de criaturas escamosas emergindo das sombras do fosso. Haviam
vitimado o primeiro dos guardas, e atacavam os sentinelas prontos.
Mas a maioria renuía-se nas imediações.
A
princípio parecia que as criaturas haviam encurralado o grupo
tomando os acessos da mesa, mas felizmente Tholen possuía o dom
racial da visão na escuridão. Puxou o sentinela com arco que os
acompanhava antes que ele fosse vitimado por um dos lagartos que
saltava do topo da rocha cilíndrica. Uma vez no chão, frustrado seu
ataque, a criatura vira-se para Hellen, a mais próxima, e sopra um
relâmpago certeiro. A energia elétrica corre pelo corpo da
feiticeira e com arcos voltáquios riscam o chão.
Mas
Hellen não se abala. Com um movimento, ela saca a espada que trazia
consigo – a “Senhora do Fogo” - e com um comando, labaredas
surgem de sua lâmina negra com runas. E com uma estocada, trespassa
o lagarto azul fatalmente.
Mas
com a nova fonte de luz, Hellen e o guarda avistavam o que Tholen
estava vendo há algum tempo. Os lagartos escalavam na aresta do
penhasco da Mesa, e tomavam a torrete. Quando saltassem para a Mesa,
fechariam o círculo sobre o grupo.
Tholen
pensa rápido, e dá um pisão.
O
pisão sísmico de sua bota normalmente estende-se por alguns poucos
metros com a onda de choque. Mas com os miúdos adversários na
encosta, e empilhados na pedra cilíndrica, o efeito é maximizado.
Absolutamente todas as criaturas são projetadas para trás. Os que
não morreram com o baque sísmico estavam agora em queda, da qual ou
morreriam ou sairiam de combate.
-
Wenjaca! - urra Tholen, apressado. - Suba aí, que agora é seguro, e
tome o terreno alto! Atire em tudo o que se mover e não for aliado!
O
guarda não fala, mas acena positivamente com a cabeça.
-
Cê tá bem? - pergunta enfim o anão a Hellen.
-
Foi só eletricidade. - confirma ela. - Menos que uma briza.
-
Bem, evite os dentes deles então... E ajude como puder.
O
anão ruma para o centro da batalha.
(…)
Havia
um único lagarto destacado do mar de atacantes. Solitário, ele
entrou na direção da fogueira. Akashi agarra um toco de madeira
incandescente e atiça na criatura, eliminando-a. Mas seu ato reflexo
o fez não sacar suas armas imediatamente... Agora, improvisava
contra sete dessas criaturas.
Nobunaga,
ao contrário, já havia se armado. Enquanto o tenente cogitava qual
a melhor alternativa para o combate, o vulto verde-escuro tomava-lhe
a dianteira. Ele estava descalço e sem armadura, mas com um katar
impecável, fez um jogo de pernas provocando os lagartos a atacar-lhe
com mordidas e sopros de raios, mas nenhum atingia o Hatamoto.
Quando
confiante que estava cercado, com o máximo das criaturas a seu
alcance, O daicho deixou a baínha. O Ninten, arte com as duas
lâminas, era poderosa contra aquele tipo de adversário. No saque de
Iaijutsu, duas cabeças voaram. Com uma correção de trajetória, as
lâminas regressam conservando a energia, vitimando mais dois e
ferindo um terceiro. Este, certo que havia resistido, foi novamente
atingido pela arma de apoio, agora encontrando seu fim, e com o
encerramento do katar, uma estocada com a projeção do corpo. Duas
lâminas encantadas, mais do que suficiente para acabar com os
últimos dos animais agressores.
Akashi
permanecia segurando a lasca de madeira, imóvel e espantado. Só a
largou quando uma chama lambeu seu dedo.
(…)
Quando
tomaram ciência da quantidade de inimigos que enfrentavam, a Guarda
Vermelha recuou ordenadamente a um círculo protetor sobre Nobunaga.
O mar de adversários movia-se pela borda, agora sendo contra-atacado
por armas de distância. Particularmente, o soldado deixado na
torrete por Tholen. Com posição elevada, podia cobrir seus
companheiros sem risco de atingir ninguém com fogo amigo.
Intimidados,
os lagartos passavam a soprar relâmpagos. Os ataques individuais
feriam, mas não eram mortais, exceto se concentrados em um mesmo
alvo. E a carga era limitada. Até aquele momento da batalha, nenhum
deles havia cuspido mais de uma vez seus relâmpagos.
As
criaturas escalavam, mas não com grande perfeição. Assim, a escada
de acesso rente à segunda torrete era a maior concentração
daquelas criaturas. Tholen rumou como um touro naquele local. Usava o
escudo-torre, agora como uma pá de neve, levando os lagartos que
encontrava pelo caminho borda abaixo. A queda no fosso não era uma
alternativa definitiva como foi com os que escalaram o penhasco, mas
formar um perímetro na entrada era vital.
-
Não deixem esses desgraçados me cercarem! - urrou o anão,
imediatamente antes de um trovão: um novo pisão sísmico debandar
grande número daquelas criaturas.
Na
linha de frente, o anão se assombrou quando uma sombra surgiu. Mas
depois reconheceu Midori. Ele acocorava sobre os ombros do anão, com
kunais com tarjas de runas. Atingiam alguns lagartos, e explodiam
colhendo mais dois ou três no ataque.
-
Ei! Sai de cima! - protesta o guerreiro. - E onde foi que pegou essas
coisas?!?
-
L-l-lagartos! - falava Midori nervoso.
-
Tá certo... - resmunga, enquanto abanava o martelo na nova linha de
atacantes que inutilmente tentavam passar por ele. - Qualquer ajuda é
valida! Pode pegar seus lagartos também...
-
N...Não! - protesta Midori, mas com o nervosismo, não conseguia se
comunicar direito. - E-e-esses s-s-são os pe-pe-pequenos! Eu v-v-vi
mamai-maior...
“Maiores”
era a palavra. Depois, o grupo iria deduzir que os lagartos
relâmpagos temiam humanos, e caçavam solitariamente. Aquele bando
era tangido.
Os
Trogloditas azuis eram raros em Meliny. Bestiais que se apossaram do
Monte Janar, caçados pelas caravanas quando as colônias humanas
chegaram, voltaram a prosperar com o fim da rota para Doravânia. Os
poucos que transitavam por aquelas paragens acabavam não dando
notícias de seu infortúnio.
Tholen
não estava esperando um lagarto de quase dois metros emergindo do
meio dos pequenos lagartos relâmpago. É atingido no ouvido por uma
clava de pedra e atordoado. Mas permanece em sua posição. O
troglodita em um ato contínuo envolve o anão em seus poderosos
membros, incluindo a cauda, e passava a uma manobra de supressão. O
anão resiste a ir ao chão, mas cedia à força da criatura metro a
metro.
Subitamente,
o abraço fatal encerra. Tholen vê que a criatura parecia
hipnotizada, com os braços estirados, e movia-se como se quisesse
sair de alguma amarra invisível. Deduz que era uma ilusão assassina
de Midori quando o jovem salta sobre o lagarto, e sai impune da
confrontação. Tem tempo para uma estocada arterial com a kunai, e
uma segunda. A criatura sente duramente o ataque, cambaleia para
trás. Midori salta de volta ao topo da cabeça de Tholen, grudando
no torrete. Nem imaginava o anão que tipo de imagem mental
desguarneceu o inimigo de tal forma.
-
Golpe baixo, pivete... - rosna Tholen. - Eu gosto disso.
(…)
Hellen
martiriza-se por ter se livrado do Chapéu dos Disfarces quando
começou a falar com Tholen. Sem ele, precisava usar sua forma
verdadeira para poder voar e contornar a Mesa. Felizmente, com a
noite, estava oculta da vista dos seus aliados. O único que poderia
enxergá-la seria Tholen, mas este já conhecia seu segredo.
A
presença dos trogloditas foi uma surpresa para ela. Mas ao perceber
o primeiro, era um que subiu por um lado diferente do guarnecido por
Tholen. Ele investiu contra Nobunaga, mas o Hatamoto estava ciente
dele, e apto ao combate. Hellen, das sombras, poderia assistir à
luta.
O
lagarto era imenso e poderoso. A pouca inteligência que tinha não
bastava para domar a selvageria, e em uma carga furiosa, ele lança-se
contra o espadachim. E então, cessa.
O
daichô, ambas as lâminas, apontadas para o lagarto, e a postura de
combate do samurai pareciam tirar a fera de sua sede de sangue
original. Teria sido intimidada? Não... Criaturas como aquelas não
hesitam em atacar. Talvez fugissem se feridas, mas ela era a
agressora origial.
A
mera presença do poderoso mestre das armas wenhajin soprava a fúria
agressiva do selvagem como se fosse uma vela. Geen Nobunaga não
triunfara em tantos torneios somente pela força e pelas armas: O
vazio que ele projetava avassalava adversários menos que dignos.
Então,
uma chuva de lâminas no catar do “ataque que nunca acaba”. O
inimigo estava arruinado, tombado ao chão.
Hellen
sorri. O Glorioso Dragão era um combatente impressionante. Sua fama
era merecida. Deixar as fronteiras isolacionistas de Wen-ha só trará
à tona isso. Guiando-o e aos demais, conseguiria o intento de sua
mestra em pouquíssimo tempo...
…
Mas ainda precisariam sobreviver àquela noite.
Com
Tholen na barreira de acesso e Nobunaga atacando os adversários que
contornavam ou subiam de formas diferentes na Mesa, bastaria
verificar a quantidade de inimigos restante. E o Vão das laterais
era a maior trincheira para as criaturas esconderem-se. A feiticeira
pousa em uma curva, saca a espada em chamas, reverte à forma humana
e aproxima-se. A luz era insuficiente, então mesmo arriscando ser
descoberta, ela aproxima a espada incandescente.
O
que percebe é que o restante dos lagartos amontoavam nas escadas.
Pouco mais de uma dúzia. Eles eram açoitados contra Tholen, que não
tinha dificuldade nenhuma em esmagá-los, auxiliado por Midori. Com
certeza o anão já havia percebido que estava prestes a triunfar...
E também que quem açoitava os lagartos eram dois trogloditas azuis
restantes.
Um
deles, mais afastado, percebe a feiticeira. Urra a seu colega em seu
idioma bestial, alertando-o, mas parte ele mesmo. Avançava curvado
tanto que corria. Hellen posiciona-se com ambas as mãos no cabo da
“Senhora do Fogo”, descaçada ao lado de seu corpo... Mas não
era esse o ataque.
Confiante,
o Troglodita estica-se em uma postura ereta. Salivava entre seus
dentes, com o peito estufado de macho alfa. A bela fêmea indefesa o
olhava com uma expressão vazia. A criatura já imaginava que tomara
o grande prêmio. Que a fêmea serviria como chocadeira para sua
cria, para acasalar, e como troféu perante o resto do grupo, e todo
o mais.
O
que a criatura não compreendia era o efeito de três habilidades
sobrenaturais simultâneas. A capacidade de vencer a barreira de
idiomas tornava a comunicação mais genuína. A telepatia carregava
as palavras inaudíveis até a mente do alvo. E o poder sobrenatural
de sugestão, tornava um pensamento crível, e escravizara o
troglodita aos desejos de Helle'nae, enquanto as sugestões fossem
razoáveis.
O
segundo troglodita se aproximava. A feiticeira não poderia manter
dois presos ao mesmo tempo... Mas não precisava. Bastava mandar um
único pensamento para o seu escravo atual:
“Meu
companheiro vai me roubar a fêmea”.
A
possessão e a testosterona fazem o resto. O lagarto parte correndo
com o máximo de velocidade e fúria que pode contra o rival. O
companheiro troglodita observa surpreso quando seu aliado o agride
com a clava e com fúria. Uma vez provando seu próprio sangue, a
criatura entra em fúria e responde ao agressor de forma igual, e
assim os lagartos azuis começam uma batalha até a morte. Mesmo o
primeiro esquece o motivo da luta, só sabia que deveria matar seu
inimigo.
Hellen
guarda a espada e aguarda o desfecho.
(...)
Com
o número minguado de lagartos, Tholen recua abruptamente. As
criaturinhas no ânimo da luta, ignorando que seus feitores haviam
deserdados, partem para o terreno amplo, onde estavam cercados pela
Guarda Vermelha. Um círculo de morte guiado por Akashi forma-se, e
os últimos dos monstros começam a ser esfolados.
Tholen
olha com satisfação. Dai Ni foi vitimado no primeiro ataque, mas
mais nenhum foi ferido mais seriamente. O anão, na linha de frente,
tomou o golpe surpresa do troglodita, mas todos os demais foram ou
superficiais ou sequer passaram por sua defesa sólida. Midori estava
a seu lado, via-se com o talentoso anão. Graças ao
desnecessariamente grande escudo que carregava, conseguia boa
cobertura para prestar auxílio sem se expor muito.
Nobunaga
estava ligeiramente mais afastado. Ele parecia igualmente incólume.
Olhava severo para os corpos espalhados na “mesa”, a grande
maioria dos lagartos relâmpagos e o único troglodita a alcançar o
platô elevado, exterminados por sua técnica. Era um triunfo
anunciado...
…
Mas ainda não garantido.
Um
urro de horror. E um tremor. O arqueiro que Tholen havia deixado no
torrete não imaginava olhar nos olhos de tal inimigo. Um titã de
outrora, escalou sem dificuldade o precipício, com seus quase quatro
metros. Não era troglodita, mas um gigante com traços dracônicos.
Com poder para escravizar trogloditas e lagartos-relâmpagos, e mais
inteligência para usá-los em emboscadas, para cansar os oponentes,
antes de colher os restos.
Nobunaga
estava na linha de frente do novo adversário, temerário. Leva as
armas às respectivas baínhas e concentra seu Iaijutsu. Não era
tolo. Sabia que aberrações tão grandes exigiam ataques poderosos,
e não cirúrgicos como fez com todos até então. Midori, contudo,
percebia algo... Reconhecia que o inimigo era ainda mais do que
trasparecia. Mas em seu espanto, sequer gaguejar conseguia. Corria
com o máximo de sua velocidade para alcançar Nobunaga.
Temia
que, se batesse de frente com o gigante, o hatamoto seria destruído.
O
gigante movia-se com peso, diferente dos lagartos. Nobunaga apenas
aguardava entrar em seu alcance e ter mais um glorioso duelo. Ouvia
os passos apressados de Midori detrás de si, e sente quando seu
kimono é agarrado, e começava a ser puchado.
Era
tarde demais.
O
lagarto começa a estralar a língua. Cada vez mais rápido. Seu
avanço cessa antes mesmo de entrar no que o samurai considerava área
ameaçada. Cada estalo, mais e mais relâmpagos se acumulavam. A
criatura tinha uma arma de sopro. Um destrutivo cone de raios,
liberados com fúria.
(…)
Hellen
percebeu o clarão e o som trovejar sobre a fenda, mas estava
ocupada.
O
duelo entre os dois trogloditas havia se encerrado. O primeiro
triunfou. Talvez por ser mesmo superior, talvez por ter dado um
primeiro ataque no inimigo surpreso. O fato é que pagou em sangue a
vitória. Perdeu metade da garra esquerda. Sangrava rios de cortes ao
longo do tórax e crânio. Perdera os dentes do lado direito. Talvez
ficasse cego do olho direito. Ao menos a cauda arrancada ele sabia
que cresceria de volta.
Mas
sob a influência que tinha, achou que valeu a pena.
Caminhou
triunfante, curvado para trás, com o peito estufado para a fêmea. A
cabeça balançava com seu andar falho projetando uma cômica
sensação de arrogãncia. Hellen olhou para seu “senhor”, o
enorme lagarto de mais de dois metros, que enfim estica sua garra boa
para tomar seu prêmio.
Helle'nae
toma a garra com suas próprias mãos.
E
pronto.
O
lagarto não entendia o que acontecia. O braço inteiro começou a
formigar. Logo depois, as pernas perdiam forças, e o vitorioso
estava de joelhos diante da fêmea. O olhar dela era uma perversão
do que havia visto antes... Uma luminescência rubra como brasa, cara
enrugada em um esforço sobrenatural e sádico. Com um toque, ela
drenava as energias restantes do troglodita. Se saudável, talvez a
criatura pudesse conseguir tempo, afastar-se, livrar-se do toque da
morte... Mas não. Respirar torna-se uma penúria. O sangue para de
verter das chagas com a diminuição e eventual ausência de pressão
arterial.
Helle'nae Mooredriff não tinha uma refeição tão boa há meses. A
liberdade de agir sem a supervisão de Tholen era magnífica.
Estasiante. Libertadora.
(…)
-
Nobunaga-sama... Nobunaga-sama...
Foi
tudo rápido demais. Aquele pequeno shinobi conjurou forças que nem
imaginava ter para tentar tirar do cone de morte o samurai. Agora
estavam caídos no chão. De relance, Midori percebeu uma proteção
onde pode aplicar seu reflexo numa evasão desesperada com o hatamoto
a tiracolo. Depois, veio a cegueira.
Com
os olhos recuperados, os dois wenhajins percebem qual foi a salvadora
cobertura que se apossaram... O escudo-torre de Tholen Hammertower,
projetado para longe de seu corpo, a cobrir os dois.
A
pele do anão parecia uma casca de queimadura velha. Barbas e bigodes
tinham princípio de chamas, e os olhos do guerreiro estavam
cerrados. Seu corpo pendia por cima do cabo do martelo, tal qual uma
muleta. Para proteger os companheiros, o anão recebeu uma descarga
que mataria um homem saudável...
…
Descarga que o baixou para pelo menos um terço de sua vitalidade.
Parecia
um morto regressando à vida quando os olhos de Tholen abriram de
novo. Ele virou-se na direção do gigante. A pele cauterizada nas
juntas rasgava com esses movimentos. O escudo-torre é enfim
abandonado, caindo ruidosamente no chão. Ele só atrasava o anão.Era
feito para proteger os outros, não a si mesmo.
Nobunaga
não acreditava que ainda existia fulgor de luta no guerreiro.
Lembrava Tsé Hida Fuji, seu companheiro hatamoto, em termos de vigor
e desprendimento. Por um longo momento, era Tholen contra o Gigante.
A criatura estalava a boca. Queria recuperar sua arma de sopro, mas
demoraria ainda. Com isso, abre a guarda para o anão arremessar o
Flagelo, seu martelo de gelo. Certeiro no focinho, a criatura híbrida
cambaleia sangrando. E perplexo, percebe que a arma retornava em uma
elipse à mão do anão.
O
gigante não estava impressionado com o ataque, embora dolorosa
combinação do impacto e do encantamento congelante. Mas com uma
distância segura adquirida, Tholen saca seu escudo de ferro, bate os
dois pés no chão, e urra em um clamor furioso, um desafio lançado.
Entrava na postura de Dol'oan, dos anões defensores.
-
T... taijutsu! - olhava admirado Midori, reconhecendo fibras e
energias sobrenaturais na posição do anão. Ele recebia forças
extraordinárias quando em posição defensiva, e guardara para o
derradeiro combate.
O
gigante pega velocidade, aceitando o desafio. Ergue a clava e choca
com um arco baixo no anão, um quarto do seu tamanho, um décimo de
seu peso. Tholen não vacilou. A clava encontrou uma barreira que não
venceria. Vara ineficazmente para trás.
O
anão pisa no chão uma última vez. A última carga de seu pisão
sísmico. O gigante desequilibra-se, e cai de joelhos no chão diante
de seu inimigo natural. Tholen passa a castigá-lo com o martelo,
agora alcançando a face do oponente. O colosso tenta levantar-se,
mas só para ser atingido mais uma vez pelo pequeno titã.
Refeito
do assombro, Nobunaga levanta-se. Transcreve um arco com uma corrida,
e agora flanqueava a monstruosidade com Tholen. Todo o poder e vigor
do gigante meio-dragão era minado por um lado pela velocidade e
precisão de um samurai, com golpes velozes. E por outro pelo peso da
tradição anã de enfrentar gigantes. Um único instante que o
oponente conseguiu voltar a ficar de pé e impor seu tamanho superior
foi para no instante seguinte receber um corte definitivo, que míngua
sua estamina e tomba de costas ruidosamente, fora de combate.
Midori
pensou em auxiliar os guerreiros, mas estava além do assombro.
Posicionou para um contra-ataque, mas jamais o monstro esteve perto
de ferir qualquer um dos dois. O gigante ainda estava consciente
quando percebeu seu destino. Estava de olhos abertos, e via que
Geen
Nobunaga preparava um corte limpo de decapitação. Seu último ato
de desafio foi encher a boca de cuspe e projeta-lo. O hatamoto
escapou do ataque. O anão, não.
-
Okey... Chega. -fala o anão, tomando a frente de Nobunaga. -
Tentamos do seu jeito... é hora de fazer lambança.
O
gigante percebeu o erro que cometeu. Ao invés de uma morte limpa e
rápida, teria seu crânio esmagado seguidamente por um anão
furioso. Nobunaga podia ser contra a selvageria, mas preferiu
adiantar-se a Hellen que chegava, para poupar a dama da brutalidade.
(…)
O
sol surgia no horizonte, mas pouco sono aconteceu naquele lugar.
Helle'nae brincava da quantidade de cargas de varinhas de cura gastou
para restaurar a vitalidade de Tholen, enquanto a guarda vermelha
sepultava seus dois colegas caídos. Os corpos dos agressores, mesmo
o gigante, jogado à vala do fosso lateral.
-
O jogo dos Shorians são de dois times. - explicava Nobunaga a
Tholen, enquanto o dia novo revelava os detalhes da construção em
que a terrível batalha ocorreu. - Eles lutam com um artilheiro
elevado nas torretes e dois combatentes. O melhor time é o que
combina, com magia ou com aço, ataque, defesa, e artilharia
protetora.
-
Hmp... - resmunga Tholen.
- Neste caso, quem ganho fomos nós, não foi?
Nobunaga
olha admirado o companheiro de luta.
-
Mais cedo, eu fiz troça de seu pensamento de que poderia... “quebrar
qualquer um”. - fala enfim. - Pelo que vi esta noite... Creio que
você poderia … tentar, com certeza.
-
Hah... Você ainda não me viu sem ter de carregar cabeças-de-bagres
nas costas! - resmunga em tom de desafio o anão.
O
hatamoto e o guerreiro caminham lado-a-lado de volta ao acampamento
que se desfazia, nos últimos preparativos para seguir viagem.
- Acha que podemos
nos chamar... depois dessa, de os “Campeões da Mesa de Jogos”?
- pergunta o anão.
-
“Mesa de Jogos”? - estranha o samurai. - Vai provocar
confusões...
-
Já fui “desbravador”... “flagelo”... - pondera Tholen.
- Quero ser “Campeão”. Soa bem.
(...)
Midori
estava afastado, com um último dos membros da guarda, passando
unguento em queimaduras de raios que ele não alcançava. Hellen
aproxima-se, e entrega um volume.
-
Seus cartões. - fala ela, revelando o que se tratava. - Tomei a
liberdade de corrigir os valores. E eu usei tinta... Melhor que
carvão.
Midori
observava. A caligrafia da feiticeira era muito melhor que a dele, e
muitos dos prejulgamentos dos talentos do anão e da gaijin haviam
sido corrigidos.
-
Tholen tem uma teoria meio louca... - continua ela. - que ele serve
para ser lido sobrepondo uns aos outros. Que o resultado é o
conjunto dos valores, e não as forças individuais...
-
Hai. Mas ele e-e-está c-c-certo! - Midori balança freneticamente a
cabeça concordando. - Nobunaga-sama f-f-foi feito por um s-s-shinobi
melhor que eu... P-p-para miminha missão... Mas eu p-p-prometo que
n-n-não vou usar essa i-i-informação co-contra vocês.
-
Eu sei que posso confiar em você, querido... - Hellen brinca com os
cabelos espetados do jovem. - Eu sei que posso...
► Continua
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